O relato de imigrantes brasileiros na Austrália
Aline Daniel, 29, e Arthur Lima, 27, são um casal de brasileiros que decidiram se aventurar pelo mundo. No Brasil, Aline era contadora e trabalhava com RH enquanto Arthur era advogado. A decisão de mudar de país veio da parte de Arthur, que sempre teve vontade de morar fora e descobrir novos horizontes. Aline acreditava que isso era só “coisa de gente rica”, já que veio de uma família humilde na grande São Paulo. No dia 10 de abril de 2019 desembarcaram no destino final, sua nova casa, Austrália.
Enquanto namorados durante a convivência no Brasil, ele ia plantando uma sementinha de esperança nela, que começou a pesquisar mais a fundo sobre uma possível mudança. A internet motivou, e muito, esse processo. Durante horas acompanhavam diferentes histórias de imigrantes a partir de vídeos no Youtube e Instagram.
Quando conta a história do processo migratório para a Austrália, Arthur relembra os tempos de faculdade. “Quando eu comecei a decidir o que fazer ainda estava na faculdade de direito. Um professor, que admirava o meu trabalho, começou a falar que eu era muito novo e deveria fazer um intercâmbio, depois voltava pro Brasil e decidia meu futuro, mas com uma visão mais ampla”, conta. Em seu tempo livre dos estudos para concurso público, o jovem pesquisava mais sobre mudar de país e via que era uma vida diferente, o que o deixou motivado.
“A gente começou a ver o Casal na Gringa e também o Thiago Deoti que tem uma agência de intercâmbio em São Paulo. Conhecemos pelo Youtube e fomos pessoalmente conversar. A partir daí ele (Thiago) traçou uma meta de valores e a gente começou a se planejar. Precisamos dar um passo pra trás. Antes morávamos em um apartamento de aluguel, tínhamos nossas coisinhas. Nos desfizemos de tudo e fomos morar na casa da minha mãe durante 9 meses para juntar esse dinheiro”, conta Aline.
O motivo pelo qual foram para Austrália com visto de estudante foi pelas orientações da agência. Segundo eles, em suas possibilidades haviam poucos vistos que se encaixavam: apenas o de turista ou de estudante. Como a intenção era realmente de desbravar novos caminhos, o de turista seria inviável pois permite que fiquem no país no máximo 3 meses. Além do modelo de visto, foram para estudar em uma escola de inglês com o intuito de aprimorar a nova língua.
A parte mais complicada nesse processo foi a carta para imigração. Os dois deveriam comprovar que tinham uma união a partir de fotos, comprovante de residência, entre outras documentações. Se não tivesse dado certo, cada um precisava ir com seu visto individual, saindo bem mais caro. Isso estenderia o tempo deles no Brasil para juntar dinheiro suficiente. Demorou 20 dias, depois de aplicado, para obterem uma resposta. “A gente até achou muito cedo, porque a previsão era de até 3 meses e do nada apareceu que estava aprovado”.
As realidades do país vão além das redes sociais
Seria a primeira vez dos dois na Austrália, e também a primeira vez de fato no exterior. Aline e Arthur tiveram a experiência de ir até a fronteira do Paraguai e Argentina, nada além disso. “Quando o avião aterrissou só senti gratidão. A Aline começou a falar e não parava mais”, conta Arthur com nostalgia. Aline não nega a emoção: “É uma mistura de sentimentos, uma montanha russa. Tem momentos que você tá lá em cima, feliz e animado e outros não tão bons assim. Às vezes nem eu acredito que a gente realmente veio. A gente tá aqui na Austrália mesmo?”
A cidade destino era Cairns, no estado de Queensland. O motivo para a decisão? Na agência informaram que seria um lugar com bastante oportunidade de trabalho por ser uma cidade turística e poucos brasileiros, o que faria com que forçassem ainda mais o inglês. “Quando a gente chegou aqui a gente passou até dois meses bem difíceis, chovia muito e não estavam contratando, não tinha proposta de trabalho. A gente saia pra procurar emprego e era só porta batendo na cara falando que não estavam contratando. Era uma cidade turística e com chuva ninguém vai para lá. Também não tínhamos experiência em cozinha e em nada que envolvia hospedagem, o que dificultava ainda mais”.
Ou seja, o primeiro mês morando no novo país foi mais difícil do que o esperado. Dividiram casa com pessoas que não possuíam bom convívio. Além disso, não conseguiram emprego. Tudo na cidade era longe, o que dificultava ainda mais. Eram momentos de economia e a primeira impressão com o povo australiano não foi tão boa assim. Quando já estavam na Austrália, foi mais fácil encontrar lugares onde outros estudantes moravam e a experiência mudou completamente.
Estava na hora de encontrar algo para ganhar dinheiro. Então Aline conversou com um chefe de cozinha da escola que estudava inglês, se voluntariando para trabalhar e ganhar experiência. Ele concordou e deu essa oportunidade. “A gente trabalhava de graça, mas ganhava a janta e a experiência para encontrar novos trabalhos. Depois de ficarmos cerca de 5 semanas neste local, pedi para sair pois consegui um emprego de au pair. Conversei com o chefe e ele disse que cobriria o valor que iria receber para permanecermos ali”.
No momento também era inviável não aceitar a proposta, já que precisavam daquele dinheiro. “A gente não estava gastando nosso dinheiro do Brasil, mas também não tava conseguindo guardar nada. Juntando o que recebíamos dava 300 dólares que ajudava a gente com aluguel mais alguma coisinha pra gente conseguir comer de almoço e café da manhã”, relata Aline.
A visão dos dois é bem diferente quando os questionei sobre emprego. Aline já tinha ideia de que não conseguiria trabalhar na sua área logo no começo, justamente por causa do inglês, então foi preparada psicologicamente. Já Arthur conta que foi com um “pensamento mais errado”. Chegou tentando trabalhar na cozinha e acabou não sendo as mil maravilhas, foi procurar ajuda e decidiu investir seus estudos em Tecnologia da Informação (TI). “Pra minha mãe ainda é um subemprego”, lamenta Arthur.
Arthur chegou a trabalhar em uma cidade aborígene (população nativa da Austrália que viviam no país antes da chegada dos ingleses). “Quando eu trabalhei no restaurante em uma cidade aborigene, fiquei umas 6 semanas e na última semana eu falei que era advogado no Brasil e eles falaram: o que você tá fazendo aqui? Eu respondi que estava me redescobrindo, procurando saber coisas a mais. No final das contas eu vi que fiz direito pela pressão de ser alguém, ouvir meu pai.”
“As pessoas ficam bem surpresas mas veem muitas pessoas fazendo a mesma coisa, estão acostumados com estrangeiros vindo para cá. Às vezes quando eu estava limpando uma loja, as pessoas olham para você com um olhar de gratidão por você estar limpando o chão que elas pisam. Não te menosprezam por estar fazendo a faxina. Aqui eles dão muito valor pra esse tipo de trabalho e pagam bem por isso, então acho válido”.
Durante a conversa faltava pouco tempo para que Aline e Arthur visitassem o Brasil depois de 10 meses vivendo longe de casa. Os dois estavam apreensivos e com medo até de sair com o relógio no pulso. Os relatos da família também contribuíram para que o medo fosse aflorado, principalmente por voltarem a São Paulo. Na Austrália é comum que as pessoas deixem as portas das casas destrancadas, vidros dos carros abertos, então estavam acostumados com muita segurança.
Ficam sabendo dos principais assuntos que estão em pauta no Brasil, mas não procuram saber. O foco é outro. Preferem gastar seu tempo aproveitando para estudar e descansar. Os dois adoram visitar as praias e cachoeiras que têm acesso gratuito no país. O dinheiro que recebem no trabalho é exclusivo para a renovação do visto.
A língua foi uma barreira, queriam se expressar e falar assim como era em português, mas não conseguiam. A única situação desagradável citada por Aline foi quando uma senhora em carrinho automático para locomoção falou diversas coisas, ela não entendeu e pediu desculpas. “Ela saiu furiosa gritando “”learn english””, as pessoas se incomodavam por não saber falar a língua”.
“Por mais que a gente tenha que trabalhar bastante para conseguir nossas coisas, não tem como comparar com São Paulo, sempre sentimos que estamos de férias. A qualidade de vida é outra, com praia aqui do lado, tudo muito limpo, as pessoas realmente respeitam. A parte mais difícil de estar aqui é a saudade da família e amigos”.
Quando os questionei sobre o que é ser imigrante e viver longe de casa, Aline e Arthur reconhecem o processo com muita emoção e orgulho do que passaram para chegarem até a Austrália. “Ser imigrante para mim é ir em busca de um lugar ao sol em um país onde você se sinta mais feliz. Lutar pelo que você quer em outro lugar, ir em busca da sua felicidade”, finaliza.
Que exímio texto, me senti parte da história, caí de cabeça em cada pedaço descrito pelo casal, um exemplo de coragem pela mudança, mas também de busca do que realmente se quer, não é fácil ir para uma cidade onde existem poucos brasileiros e maiores dificuldades! Fico feliz que deu tudo certo, e feliz também por essa maravilha de reportagem.