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O CABO-VERDIANO BRASILEIRO

Atualizado: 24 de mar. de 2021


16 anos de história, a mais de 4.511 km vivendo longe de casa

 

Marco Aurélio Alves Gomes de Oliveira, também conhecido por Marcão (apelido que ganhou dos seus amigos brasileiros), tem 35 anos e é natural da República de Cabo Verde, mais especificamente da cidade de Mindelo, localizada na Ilha de São Vicente. Veio para o Brasil em 11 de fevereiro de 2005 para fazer faculdade. Em seu país é normal na fase dos 17 aos 19 anos sair para estudar fora, pois, de acordo com relatos do cabo-verdiano, seu país não possui infraestrutura de qualidade em relação a universidades. Marco conta que “Ensino superior lá não é algo muito vantajoso fazer. Você já faz seu ensino fundamental e médio sabendo que um dia vai embora para estudar fora, só precisa saber qual país".


Ao terminar o ensino escolar, aos seus 18 anos, um mês depois já havia conseguido vaga na Univalle, faculdade localizada no Estado de Santa Catarina. Apesar do anseio de querer conhecer um outro país, Marco resolveu descansar antes de voltar a estudar. Então, dessa vez, deixou a oportunidade passar. Mas logo em seguida surgiu uma vaga para estudar geografia em Portugal, porém não se encaixava em seus objetivos futuros e possivelmente não haveria campo para trabalhar na área caso voltasse para seu país.

Entre suas opções na mudança estavam Brasil e Portugal, mas escolheu Ponta Grossa principalmente porque conseguiu uma vaga na área que queria: comércio exterior na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Assim como Jane, outra entrevistada neste projeto sobre os imigrantes, Marco veio pelo PECG. A universidade foi aleatória mas o programa é o mesmo. São histórias diferentes porém que acabam se cruzando.


Marco conta que os últimos dois anos do ensino médio em Cabo Verde são determinantes para conseguir uma vaga para estudar fora, já que pelo processo que você compete com suas médias escolares contra outros alunos. Ou seja, quem tem as melhores médias é classificado à frente das vagas.


Documentações e burocracias


Para vir até o Brasil, Marco precisou de um visto de turista com duração de 3 meses. Somente a partir da matrícula feita presencialmente na universidade conseguiu dar entrada no visto de estudante. Como consequência, foi em busca de outros documentos como o CPF e documento de estrangeiro.


Quando Marco soube para onde iria, no caso Ponta Grossa, ele e seu pai correram atrás para ver se não haviam cabo-verdianos residindo na cidade. Por sorte, a filha de um colega deles já estudava em PG e ficou responsável por recepcioná-lo quando chegasse, facilitando o contato inicial. Essa mesma pessoa conseguiu para que nas duas primeiras semanas ele ficasse em uma casa de amigos dela. Em seguida conheceu uns rapazes que tinham uma casa com um quarto vago, conseguindo assim um novo local para se estabelecer no ambiente que acabara de descobrir. Além de essa ser a oportunidade para dividir as suas despesas, Marco sentiu que essa poderia ser a chance de se enturmar com outros estudantes, ou seja, foi uma ajuda mútua.


Marco viu essa mudança para a casa desses rapazes como “uma das melhores coisas que aconteceu”, pois eles também não eram da cidade e viraram grandes amigos. Além disso, sua turma da faculdade era formada por sua maioria esmagadora alunos de fora de Ponta Grossa. Não teve nenhum problema em relação a receptividade e considera que teve “sorte” em relação a outros estrangeiros.


Aos poucos, com o grupo de amizades, foi levando a nova jornada. De maneira emocionada, ele relata que teve momentos difíceis onde a dificuldade falou mais alto. Mas tudo isso ficou nas memórias. Hoje ele tenta absorver como uma mera lembrança: “Meus primos, que também moravam em Ponta Grossa, distribuiam relatos como ““fiquei duas semanas no quarto chorando com saudade de casa””. Foi a partir desse momento que ele percebeu que aquilo não poderia o abalar.




Então para amenizar esses momentos, acabou baseando-se nos princípios que aprendeu em Cabo Verde com o seu pai e sua mãe. Por serem professores, eles tiveram muito contato com pessoas que tinham ido embora do país, pois, era uma coisa comum. A partir do relato de outros estudantes foram polindo as atitudes de Marco para fazer dar certo. Sendo assim, além de pais, foram excelentes professores em lições de vida: “Não tenho do que reclamar do meu período como universitário em comparação a outras histórias que conheci”.


Diferenças


Lidar com as diferenças. Isso, muitas vezes, é um dos maiores obstáculos que um imigrante encontra quando chega em outro país. O cabo-verdiano, com um olhar profundo, relembra algumas situações que passou ao chegar no Brasil. “Você vem de uma sociedade pequena, onde todo mundo se conhece e do nada está em um país diferente, longe de casa, cultura diferente, clima diferente. São condições que muitos desistiriam. Você vai ter esse tempo para se adaptar sozinho”, relembra Marco.



Surpreendentemente, algo que impactou bastante foi a parte do clima. “Aqui chove bastante em relação a lá. Se acostumar com 3 ou 5 dias chovendo não era fácil”. Ele conta que é uma experiência muito individual e que teve amigos que não souberam lidar com esses detalhes e demoraram muito para poder se adaptar.


Um dos fatores culturais que teve que aprender foi o uso das gírias. Apesar da língua oficial de Cabo Verde ser português, o sotaque é semelhante ao de Portugal, ou seja, passou por dificuldades na tradução.


Estágio voluntário


Quem vem por meio do programa não pode fazer estágio remunerado, apenas voluntário. O fato do curso ser matutino também complicou. “A parte da manhã que está todo mundo trabalhando você está estudando”. Marco acredita que a época de faculdade em relação ao mercado de trabalho é igual para todos, apenas com diferenças nas escolhas que você faz. Vê esse período de transição como a fase mais difícil em sua trajetória aqui no Brasil.


Em nenhum momento, durante a faculdade, pensou em voltar para o seu país. Viver longe de casa significava algo que tinha que fazer de acordo com a educação que recebeu. Não haveria volta depois que já estava aqui. Parte dos motivos para ficar eram as oportunidades profissionais aqui no Brasil. Corria o risco de voltar e ficar sem emprego, pois já identificava uma certa saturação de muitas pessoas com ensino superior em um país “com fraca absorção de conhecimento”. Seu medo era voltar e ficar parado, nunca conseguir um trabalho de fato.


Quando decidiu ficar definitivamente após terminar a faculdade, sentia-se rompendo com algo que já havia planejado, pois a ideia era voltar para Cabo Verde e de lá fazer mestrado em outro lugar. Algumas repercussões familiares não foram tão boas. Essa transição de universitário para a vida adulta requisitou adaptação. Logo em seguida fez uma especialização, entrando em uma fase em que seu pai não tinha mais como bancá-lo aqui no país.


Para continuar sua estadia no Brasil, precisou alterar seu visto, o que lhe rendeu muitos problemas e demorou um ano e meio para poder concretizá-lo. Tinha a documentação que comprovava a espera da decisão do visto, mas isso não dava estabilidade para que uma empresa o contratasse, já que a qualquer momento poderia ter que voltar. Hoje em dia seu visto de permanência ainda é válido por algum tempo e pretende, ainda em 2021, pedir sua cidadania brasileira.


Emprego



Começou na Makita, multinacional japonesa em Ponta Grossa, no ano de 2011 em uma vaga de operador de linhas. “Eu tinha diploma, estava fazendo uma pós-graduação, falava 3 línguas além do português, e me candidatando a uma vaga de operador, chão de fábrica. Quando você chega lá o entrevistador fala que seu currículo é muito mais do que a vaga oferecia. Isso sim é um fator de exclusão”, conclui Marco. Com o seu desempenho profissional singular subiu de cargo, primeiro para a parte de qualidade e depois como fornecedor. Ficou 4 anos trabalhando nessa multinacional.


Em seguida, em 2015, conseguiu uma vaga na DAF, empresa de caminhões, onde trabalha até hoje. Planejador de materiais, cuida para que os componentes que usam na montagem dos caminhões estejam corretos.


Família, pandemia e planos futuros


Nos dois primeiros anos estudando conseguiu visitar sua família duas vezes em Cabo Verde. De lá, só conseguiu voltar no ano passado, ou seja, em 2020. Quando entenderam a decisão de Marco, viram que aqui era a melhor escolha para ele. Durante a pandemia, ficou sabendo de muitos cabo-verdianos voltaram para o seu país.


Assim como em todas as situações, Marco consegue retirar os aprendizados da pandemia. O fato de ficar em casa em isolamento social permitia com que ele conversasse por vídeo quase que diariamente com seus irmãos, diminuindo assim a saudade e deixando a distância ser apenas uma questão geográfica.



Quando o questiono se o Brasil seria sua casa agora, Marco não exita em dizer que seu coração é cabo-verdiano. “Então, te digo que estou extremamente adaptado aqui mas minha casa continua sendo lá. No início do ano passado, antes da pandemia, fui visitar minha família. Quando cheguei em Mindelo parecia que não tinha saído, fiz as mesmas coisas que fazia antes de sair de lá. Me surpreendi, esperava me sentir deslocado. A maioria dos meus amigos não estava mais em Cabo Verde, mas fora isso foi como se nada tivesse mudado. Se eu esperasse mais uma semana para voltar, depois seria difícil pois minha rotina encaixou muito bem, igual antes de sair de lá”.


Sobre os planos do futuro, se há a possibilidade de voltar para lá, o cabo-verdiano brasileiro diz: “Me desligar daquilo que eu sou aqui (no Brasil) hoje é extremamente difícil. Vejo que no futuro terei que me virar entre os dois lugares, o que para mim é ótimo”.

 

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